Dancing on the kitchen tiles

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A balada de um cara legal

Edmundo era um cara legal. Edmundo não gostava de seu nome, mas era tão legal que não ousava reclamar. Gente fina, diziam de Edmundo. Gente finíssima. Tudo porque Edmundo engolia todos os desaforos e todas as maldades que lhe eram aplicados. Perdoava com a facilidade de respirar. Não guardava rancor. Que legal, hein?
Edmundo gostava de fazer graça, fazia rir, sem esforço. Enfim, era um cara legal. Mas, legal ou não, era só um cara. Ninguém sabia seus segredos, seus defeitos. Edmundo era pouco pontual, mas mesmo assim, um sujeito agradável. Edmundo despertava o interesse de uma ou outra garota, mas ele tinha um segredo: Sonhava loucamente com uma moça sem rosto, que o fazia feliz. Sonhava tanto que esquecia de torná-la real. Edmundo às vezes dedilhava seu violão, por força do hábito, ou não. Gostava de sorvete de limão e tinha um vício secreto por desenho animado, Dickens e Johnny Cash. Mas disso poucos sabiam. De quê adiantava? Edmundo era apenas um cara legal, e isso bastava. Um dia, Edmundo viu seu mundo mudar. Seus amigos conheceram Eduardo, outro cara legal. Tão, tão legal, que chegava a ser mais engraçado, mais gentil, mais simpático do que Edmundo. Vê se pode! Nosso caro Edmundo se viu encurralado pela própria mediocridade, ofuscado pelo brilho de um estranho-maravilha. Edmundo, agora, era só um cara. Ponto.
Resolveu radicalizar, ser muito mau. Não mais ignorava as pauladas e os pisões de pé que levava. Edmundo revidava. Saiu em busca da garota sem-rosto de seus sonhos, tentou encontrar um rosto para ela. Tentou uma, outra, às vezes pensava que a tinha encontrado, mas a perdia novamente. Talvez ela fosse simplesmente fruto da imaginação do Edmundo-super-legal que ele fora. O novo Edmundo chutava o pau da barraca, rodava a baiana (mais do que o necessário, verdade.), dizia o que queria para todos que quisessem ouvir, todos os seus segredos, seus gostos e desgostos. Lia Dickens no pátio do colégio, ia ver algum desenho no cinema, ouvia Johnny Cash bem alto no seu quarto e comia muito sorvete de limão. Ainda tocava seu violão, claro, dessa vez em público, sem vergonha de mostrar quem era. Por hábito, ou simplesmente por puro prazer. Queria provar alguma coisa ao mundo, mas não sabia o quê. Começaram os cochichos:
- Mas Edmundo? Ele era tão legal!
Achavam-no esquisito. Alguns acreditavam ser Edmundo um cara do mal. Da maneira que fosse, descobriram que Edmundo não era só um cara legal, nem muito normal. E era tão legal não ser um cara legal, não ser um cara normal.


(O.o)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Requiem para meu avô

Faz quase um ano que ouvi tua voz pela última vez. Engraçado como o teu timbre ainda ecoa em meus ouvidos. Me traz uma calma santa, mas entristece. Tenho tudo como uma lembrança bonita, um filme preto & branco que assisto no drive-in mais próximo. Um filme retrô, com a fita um pouco gasta, que o tempo gastou. Engraçado como tua ausência me faz reviver o passado, sempre, mas sempre esperando o futuro. O futuro que desejava pra mim, e pra ti, e pra todos nós. Como lembrar de ti me faz lembrar que não quero mais crescer. Chega dessa história de virar gente grande, chega! Ir perdendo pessoas pelo caminho, como perder pedaços da minha história que só permanecerão em minha memória. Tuas histórias, tuas conquistas, o teu amor gigante por tudo é o que me faz continuar. Te guardo numa caixinha, as fotos já um pouco gastas e o pouco de concretas recordações que tenho de ti. Te guardo também no meu coração e te carrego nele por onde vou, pra todo lugar. O meu coração, saiba que você estará sempre dentro dele, assim como sei que estarei sempre dentro de ti. Onde quer que você esteja...

Para Egon, em pessoa ou em memória.