Dancing on the kitchen tiles

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Um, uma

Uma definição, pra quem a vida só é adjetivo.
Uma visão, pra quem na vida é cego e não quer ver.
Um conforto, pra quem da vida só tira desilusão.
Uma vida, pra quem do amor tira tudo, e não ganha nada.
Um amor, pra quem da vida, a vida, na vida, tudo é cinza, tudo é nada.

terça-feira, 5 de maio de 2009

P

Era um tanto apaixonado pela docência, e aquilo me parecia estranho, para dizer a verdade. Abandonar uma carreira de sucesso para viver confinado em uma sala de aula, fornecendo o seu conhecimento a um bando de crianças que não tinha o mínimo interesse em absorvê-lo.

Todos o achavam dócil e inofensivo, porque a paciência era sua maior virtude. Por isso, exageravam nas provocações, na rebeldia, para ver no que ia dar, testá-lo até vê-lo perder a paciência, que ele sempre mantinha, apesar de tudo. Mas havia algo que só eu conseguia enxergar. Os músculos tolhidos de atleta por vezes se tensionavam ao ouvir uma resposta mais ousada, e eu sentia que a violência contida estava prestes a aflorar. Temia que ele fosse perder o controle e proferir um golpe contra algum de nós.

Um dia, quando um de nós lhe faltou com o respeito, mais do que o habitual, senti a tensão crescer, vi os tendões se tensionando e, numa grande confusão, em meio a gritos, vi o professor massacrando o pequeno rebelde. Sentou em sua cabeça, e a criança berrava de dor, gritava, e ninguém fazia nada. Não agüentei, e soltei um grito de desespero. Quando parei de gritar, vi que todos olhavam para mim. Foi então que pude ver com clareza, o professor ainda estava em sua posição inicial, com a cabeça de meu colega bem longe do seu alcance. O professor olhou para mim, tranqüilo, com os músculos e tendões bem relaxados, e sorriu.


(nem vou me dignar a postar coisas decentes, dica)

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Queria mergulhar no mar dos teus olhos. Que olhos! olhos de mar, de mar caribenho, azul cristalino, profundo. Como pode? Tive medo de ir à deriva, de nunca mais voltar. Mas é o que mais quero, é ir adiante, ir para o teu alto-mar. Cadê teus olhos? Quando quero tanto me entregar. E como eu queria, me afogar, no azul do mar do teu olhar.

terça-feira, 28 de abril de 2009

intertextualidade?

Eis que leio no jornal: Menino morre atropelado. Um menino, apenas sete anos, estudante, favelado, morreu atropelado, e o motorista fugiu sem prestar socorro. O corpo continuou no local, esperando pela perícia, o corpo do menino que morreu atropelado.

Morreu atropelado. O carro o atingiu em cheio, quando atravessava a rua. Chamaram a ambulância, mas quando chegou ao local, já não respirava mais o menino. O menino morreu atropelado.

Um menino morreu atropelado. A testemunha (um menino) afirmou que a fatalidade (o atropelamento) ocorrera pela manhã, por volta das sete e meia, pouco antes do sinal da escola tocar. E o menino morreu atropelado.

Um menino, era criança pálida. Criança franzina. Menino magro, de muito peso não era. Mesmo assim, era belo como um coqueiro, ou como o caderno novo quando a gente o principia. Trazia um caderno debaixo do braço, para ir estudar, seu sonho era ser professor. Mas o sonho foi interrompido, quando morreu, atropelado.

Estava usando o uniforme da escola, quando morreu atropelado. Era menino pobre, de favela, mas era menino bom. Bom porque queria algo mais, não queria roubar, não queria matar, queria viver, queria ser bom. Era bom porque corrompia com sangue novo a anemia, infeccionava a miséria com vida nova e sadia. Mas morreu, atropelado, coitado.

O assassino fugiu. Ninguém viu. E ficou ali, no chão, o menino, atropelado. Não é culpa de ninguém. A falta de policiamento? De quem é a culpa? De ninguém. Alguns passantes pararam para lamentar, alguns comentavam: O que aconteceu? Morreu atropelado o menino! Deixaram o menino na rua, morto. Deixaram o corpo, até que alguém viesse buscar, alguém que se responsabilizasse, e o menino foi morrendo, morreu. E o pobre garoto, naquela ruela, morreu atropelado.

O menino, que morreu atropelado, era pobre. Criança. Pouco vestido, apesar do frio. Frágil. Ágil. Novo. Moleque da vila. Menino favelado. Morreu, um carro passou por cima, deu. Morreu atropelado.

E pela manhã de terça, ao atravessar a rua defronte à escola, na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, um menino morreu atropelado.

(creditos ao tio Sabino e ao tio Cabral :D)

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Rapsódia sem sentido

Venham, Rapsodos, que não sei cantar. Minto, sei. Não sei é costurar. Faço coisas, falo fatos, faço retratos, mas não sei costurar. Sei cantar, o meu episódio. Sou Aedo, e cantar sei. Já disse que sei cantar? Pois minto, novamente. Cantar sei, mas não o belo. Canto coisas comuns. Não canto seus atos heróicos, não canto a grandeza. Pra falar a verdade, nem cantar canto. Falo, digo, declamo. Pura verborragia. Meu léxico é sem sentido. E tu, que sentido tens? Não faço sentido, fico sentido. Queria cantar, pelas musas me inspirar. Venham , Rapsodos, costurem meu poema, remendem-no, tratem de deixá-lo belo, para que possa eu fingir poeta, escritor, autor, criador.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Antebraços Braços (ante)braços

Tinha ela uma tara por mãos e antebraços. As amigas lhe diziam que era uma fixação enganadora. Por quê? Porque de um antebraço forte e moldado poderia se tirar uma conclusão errada e ficar a imaginando um corpo escultural, baseando-se em um simples meio-braço. Mas que fazer? Se antebraços eram sua paixão? Nada. Enganar-se era sua sina. Ao ver das amigas, tirava conclusões precipitadas, mas ela não ligava muito. Por quê? Bom, digamos que, um corpo escultural não lhe despertava interesse. Talvez se fosse o de um fisiculturista, levantador de peso... Do mesmo, lhe chamaria a atenção pelo fantástico, e não pelo belo. Mãos também, ah, as mãos. Gostava de mãos grandes, gostava de mãos um pouco calejadas, que mostravam uma atividade, seja o trabalho pesado, a habilidade com algum instrumento ou o simples hábito de escrever demais. Ao conhecer alguém, antes se deparava com o rosto, claro, óbvio. Logo depois desviava o olhar para as mãos. Não queria medi-las para descobrir o tamanho de outras partes, mas só vê-las e admira-las. Um dia, achou um braço e um antebraço que lhe cabiam perfeitamente, a medida perfeita, o tamanho perfeito, o tônus bem moderado. Amava aquele meio-braço, ah, e como. Adorava o aroma suave que exalava. Pra falar a verdade, muito deixava a desejar no resto, mas ela não tinha tempo para isso, admirar-lhe os dedos já muito lhe consumia. Um dia, para ele, ser admirado por tais atributos se tornou demasiado cansativo, entediante.
- Luísa, me olha nos olhos, por favor?
Ela nem se deu ao trabalho, e aquilo foi a gota d’água. Deixou-a assim, simplesmente. Ela sentia falta do braço (não de todo), das mãos. Procurava outros braços pelas ruas, caía de amores por antebraços estranhos, sentia vontade de tocá-los. Ah, que sina! Andava meio que sem rumo, meio que vagando. Começaram a estranhar, tocava o braço de homens na rua, até de um mendigo uma vez, mas desistiu ao sentir o cheiro forte que as mãos dele exalavam. E na sua busca incansável por seu antebraço-par-perfeito, mão-alma-gêmea, deparou-se com seu antigo amor. Andava na rua distraído, o antebraço belo como nunca, as mãos fortes, viris. Mas quando o seu olhar encontrou o dele, ele sorriu, os olhos lindos, muito mais bonitos do que meros braços, mãos, antebraços. Luísa quis detê-lo, mas ele teve de seguir seu caminho. Ficou ela parada, atônita, sonhando com aqueles olhos, que nunca lhe haviam despertado interesse. Olhos? Como? E os braços? Chegou à conclusão de que: Nos braços se lê a alma? Não. Nos olhos a alma reside, e alma não precisa de braços. Nem de mãos. Nem de antebraços.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Anglophile

Era eu meio sem ter um eu. Entende? Não? Tudo bem, eu explico. Com 7 anos lá estava , usando as mesmas roupinhas que as minhas coleguinhas de aula, com o mesmo corte de cabelo Chanel que minha mãe fazia há anos, devido à preguiça de me pentear. Não tinha muitos amigos, poucas pessoas me notavam. Não era triste nem nada, mas também não marcava ninguém. Me diga: Qual é criança que tem sua personalidade formada aos 7 anos? Poucas, muito poucas. Enfim, estava eu meio mimetizada no meio de todo mundo, não querendo chamar a atenção. Quando em um belo dia, em mais uma excursão à livraria com minha mãe, descobri algo mágico, um livro, mas não um livro qualquer, um livro que galgou o meu modo de pensar e a minha personalidade tão comum. Ali, conheci o meu clássico, como Ítalo Calvino definiria. A história do garoto que sobreviveu, da Rua dos Alfeneiros, de Hogwarts, expandiu meu pequeno universo. J. K. Rowling mal sabe o quanto ela mudou a minha vida, quanta gente ela influenciou e o quanto. A partir dali, conheci um novo mundo e criei o meu próprio. A verdade é que isso fez com que eu me fechasse ainda mais do mundo ao meu redor, mas e quem disse que eu ligava? Vivia sonhando, fui entrando em tamanho transe que, a um dado momento do percurso, me dei conta de que não poderia mais voltar. Meus sonhos eram povoados por histórias fantásticas, passadas em castelos. Sempre sonhava com uma viagem de trem, vendo os campos, os vales, a região dos lagos. Me imaginava andando por aí de sobretudo, com uma coruja empoleirada no ombro, quiçá sacando uma varinha e conjurando algum feitiço. Fui sempre sonhando com isso, escrevia livros sobre a minha amada ilha, qualquer coisa que viesse de lá era válida. Recortava fotos e informações de revistas de viagem, lia outros livros que citavam os meus tão amados castelos, filmes, alguns que mostravam as casas georgianas que eu achava tão belas. Fui crescendo, e, obviamente, fui me aproximando do chão. Comecei a ver os defeitos que a minha amada terra de sonhos possuía, comecei a me envergonhar das barbáries que eles haviam cometido contra outros, como se eu fosse nativa daquela terra, porque no meu coração, eu era. Ao mesmo tempo, comecei a conhecer melhor a língua deles, a apreciar a literatura tão aclamada. Fui me conectando a cultura, mais ainda do que antes. Comecei a ler os textos que eu tanto amava no original, e me senti mais próxima ainda. Nesses momentos, revivi a infância. Lendo também comecei a conhecer o outro lado, o lado real, os podres todos. Comecei a me encantar por Dickens e por sua crítica social, que me fazia ver que existiam muitos Fagins, Gradgrinds, Quilps etc. Pessoas que se aproveitam dos outros, repressores, e toda a sorte de vilanias que podem existir em uma sociedade. Fui me dando conta de que esses vilões todos não só existiam na literatura para maltratar Oliver Twist e assemelhados. Esses vilões existem na vida real, e em qualquer lugar. E, sabe, me dei conta de que esse meu mundo de sonho ficava tão mais legal com essas pitadas de realidade. Até que decidi ir ver tudo isso com meus próprios olhos. Comprei as passagens, fui bem na cara-dura e com o coração aberto. Cheguei lá e não acreditava inteiramente no que via. Comecei a andar pelas ruas, pegava o metrô, conhecia os pontos turísticos, tudo muito maravilhoso, mas minha ficha ainda não caíra. O frio castigava, o que exigia que eu usasse meu sobretudo, só me faltava a coruja na mão para ter a minha realidade tal e qual o meu sonho, a realização concreta da imagem que vivia no meu imaginário há tantos anos. Vi e senti a discriminação, a violência, todos os grandes defeitos que já imaginava deparar, mas aquilo não me afetava, era a realidade, nua e crua, e tão melhor do que um sonho! Então, decidida a conhecer de perto os locais que inspiraram todos os livros e filmes que tanto me influenciaram, fui lá, comprei meu ticket de trem e me mandei pra Oxfordshire. Ao entrar no trem me arrepiei, era como se um filme da minha infância estivesse em exibição na minha frente. Me sentei ao lado da janela e me perdi no tempo observando a vista que sumia rapidamente a medida que o trem se movimentava. Quando cheguei, depois de muito andar por ruelas estreitas e por prédio antigos, me deparei com o prédio da universidade dali. Quando vi aquilo, eu fiquei paralisada, e uma onda de emoção me varreu de cima a baixo, e eu chorei. Confesso, chorei. Regressei à minha infância, totalmente. À minha frente, o cenário perfeito de meus sonhos, da minha imaginação, de todas as descrições de livros, tudo real. Me sentei na grama, senti o sol do meio-dia bater no meu rosto, e sorri, desejando ficar ali pra sempre, desejando nunca mais acordar de meu sonho.