Dedilhava meu cello.
Dedilhava meu cello. Até os dedos sangrarem talvez. Meus dedos, coitados, nunca mais foram os mesmos. Não era Stradivarius e, de início, o via apenas como um frio pedaço de madeira. Mogno, Cedro, Ébano, Maple. Frio? Não, frio nunca fora. Morno, talvez. Não digo que era desprovido de graça, mas a mim parecia apenas mais um. Cresci, minha mocidade aflorou, fui refém de outras paixões, e meu cello sempre lá. Intacto. Fugi, e recorri a ele. Meu esconderijo, meu mundo e só. Passava com ele alguns minutos, que se reverteram em horas, dias. Não mais pensava em outro alguém. Ou algo. A sinfonia dos meus dias se converteu em obsessão. Uma suíte tocada, a cada Adágio, Andante, Alegretto, cada concerto, todos na solidão de minha habitação. Boccherini, Reger, Elgar, todos. Reclusa ficava, dias e noites a delirar, somente na companhia dele, recolhia-o entre minhas panturrilhas, abraçava-o forte. Nunca te abandonei, revelei-lhe baixinho, ao pé do ouvido. Abraçava forte, o amante cor: morena. Nas passadas em brio, meu coração transbordava, alucinava. Passei noite em claro, dia em breu, com meu cello ao lado. Suava frio ao vê-lo, meu amante, meu amado. Tanto que pequei ao meu ser. E as luas, Nova, Cheia, Minguante, Crescente (não necessariamente nessa ordem) diziam:
- Cabe loucura maior?
- Cabe isso?
- Cabe o quê? – Perguntava à Nova, nova e inocente que era.
- Cair-se de paixão por um violoncelo.
Quem são as luas para dizer? Apaixonam-se como garotas púberes e inspiram aos amantes. Então, Lua Cheia me disse:
- Amamos, amamos, enamoradas estamos, somos astros. Amamos e somos amadas. Quem a lua ama, ama a lua de volta.
Não nego, aprecio ser amante da lua. Mas gosto do concreto. O único defeito nos homens é a boca, a capacidade de falar. Esse defeito meu caro amante não possui. Sou inteira e completamente resignada, me entrego a ele. E se eu velha assim ficar, meu companheiro estará ao meu lado, porque ele não envelhece nunca, e se envelhecer, melhor ficará. Ao contrário de mim, seu invólucro rústico ficará cada vez mais belo, e eu, enrugada em um canto, feia ficarei, a cada passo meu rumo à morte e ao meu desfeito estético, um passo dele a glória e ao reconhecimento. Serei amante, velha amante. Junto ao meu cello, tocarei até que minhas mãos não suportem encostar nada além de macios lençóis de linho, até minhas espaldas não mais suportarem o peso do seu cabeçote. Até meus pés se dobrarem em curva. Até o fim dos meus dias, e ao meu cello me despedirei com meu coração em pranto: Meu companheiro de notas, pizzicatos e variações, te amei como nunca, meu amante, meu cello, meu amigo.
o.O
3 Comentários:
Muito bom, pra variar.
Gostei da parte em que tu envelhece e teu cello fica velho e melhor.
já ouvi isso em algum lugar, e não pelo fato de querer que fiques velha.
até o próximo comentário a elogiar, minha cara.
ótimo, mas já virou clichê eu te dizer isso :P
hã, continue assim, girl ;)
É tu tinha razão eu ia gostar desse mesmo (apesar de que eu goste de todos)...Bom todo mundo diz, tu tem MUITO potencial, e eu realmente espero que tu tenha muito sucesso e que eu possa sempre ler tuas coisas.beijo bebezão
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