Dancing on the kitchen tiles

sábado, 29 de novembro de 2008

Dedilhava meu cello.

Dedilhava meu cello. Até os dedos sangrarem talvez. Meus dedos, coitados, nunca mais foram os mesmos. Não era Stradivarius e, de início, o via apenas como um frio pedaço de madeira. Mogno, Cedro, Ébano, Maple. Frio? Não, frio nunca fora. Morno, talvez. Não digo que era desprovido de graça, mas a mim parecia apenas mais um. Cresci, minha mocidade aflorou, fui refém de outras paixões, e meu cello sempre lá. Intacto. Fugi, e recorri a ele. Meu esconderijo, meu mundo e só. Passava com ele alguns minutos, que se reverteram em horas, dias. Não mais pensava em outro alguém. Ou algo. A sinfonia dos meus dias se converteu em obsessão. Uma suíte tocada, a cada Adágio, Andante, Alegretto, cada concerto, todos na solidão de minha habitação. Boccherini, Reger, Elgar, todos. Reclusa ficava, dias e noites a delirar, somente na companhia dele, recolhia-o entre minhas panturrilhas, abraçava-o forte. Nunca te abandonei, revelei-lhe baixinho, ao pé do ouvido. Abraçava forte, o amante cor: morena. Nas passadas em brio, meu coração transbordava, alucinava. Passei noite em claro, dia em breu, com meu cello ao lado. Suava frio ao vê-lo, meu amante, meu amado. Tanto que pequei ao meu ser. E as luas, Nova, Cheia, Minguante, Crescente (não necessariamente nessa ordem) diziam:
- Cabe loucura maior?
- Cabe isso?
- Cabe o quê? – Perguntava à Nova, nova e inocente que era.
- Cair-se de paixão por um violoncelo.
Quem são as luas para dizer? Apaixonam-se como garotas púberes e inspiram aos amantes. Então, Lua Cheia me disse:
- Amamos, amamos, enamoradas estamos, somos astros. Amamos e somos amadas. Quem a lua ama, ama a lua de volta.
Não nego, aprecio ser amante da lua. Mas gosto do concreto. O único defeito nos homens é a boca, a capacidade de falar. Esse defeito meu caro amante não possui. Sou inteira e completamente resignada, me entrego a ele. E se eu velha assim ficar, meu companheiro estará ao meu lado, porque ele não envelhece nunca, e se envelhecer, melhor ficará. Ao contrário de mim, seu invólucro rústico ficará cada vez mais belo, e eu, enrugada em um canto, feia ficarei, a cada passo meu rumo à morte e ao meu desfeito estético, um passo dele a glória e ao reconhecimento. Serei amante, velha amante. Junto ao meu cello, tocarei até que minhas mãos não suportem encostar nada além de macios lençóis de linho, até minhas espaldas não mais suportarem o peso do seu cabeçote. Até meus pés se dobrarem em curva. Até o fim dos meus dias, e ao meu cello me despedirei com meu coração em pranto: Meu companheiro de notas, pizzicatos e variações, te amei como nunca, meu amante, meu cello, meu amigo.

o.O

3 Comentários:

Blogger mills disse...

Muito bom, pra variar.
Gostei da parte em que tu envelhece e teu cello fica velho e melhor.
já ouvi isso em algum lugar, e não pelo fato de querer que fiques velha.

até o próximo comentário a elogiar, minha cara.

29 de novembro de 2008 às 18:42  
Anonymous Anônimo disse...

ótimo, mas já virou clichê eu te dizer isso :P
hã, continue assim, girl ;)

1 de dezembro de 2008 às 23:59  
Blogger Lair Raupp disse...

É tu tinha razão eu ia gostar desse mesmo (apesar de que eu goste de todos)...Bom todo mundo diz, tu tem MUITO potencial, e eu realmente espero que tu tenha muito sucesso e que eu possa sempre ler tuas coisas.beijo bebezão

16 de dezembro de 2008 às 01:05  

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